segunda-feira, novembro 15, 2021

Homenageada 2021 - Ayn Rand

 

Sempre acreditei que a escrita (e a arte em geral) deveria ser feita como uma reflexão sobre o mundo, sobre uma questão que pessoalmente toca o artista, um dilema ambíguo, mas não necessariamente para fornecer uma resposta. A colocação do problema é o coração da arte. Ainda que esse problema seja nos entreter.

Escolher a literatura para defender uma ideologia, pode ser polêmico, e de fato esta autora foi. E não é preciso concordar com ela para reconhecer que construiu uma impressionante obra. É como um marceneiro que admira a estrutura de um patíbulo: o enforcamento é bárbaro, mas o mecanismo é engenhoso.

Por demonstrar que ainda é possível pensar por meio literatura e defender seus argumentos com uma boa narrativa, Ayn Rand recebe a homenagem do Prêmio Leandro Müller de Literatura em 2021.


Laureado 2021 – Cixin Liu

 

Por estes dias, deparei-me com um produto alimentício que trazia em letras garrafais na embalagem: “baixo valor energético, isento de açúcares, zero lactose, livre de gordura totais, livre de gorduras saturadas, zero colesterol, não contém sódio, sem adição de sal”. Imediatamente fui remetido aos tempos de estudante de filosofia, não podendo deixar de pensar no velho Parmênides quando dizia: “o ser é, o não ser não é”. Afinal, o que era esse produto alimentício que se afirmava apenas pelo seu não-ser? O que ele continha, apesar de se vangloriar principalmente por aquilo que não tinha? E lembrei-me de que, muitas vezes, quando não sabemos o que algo é, começamos por entendê-lo a partir do que não é.

O fluxo de pensamentos passou a Sócrates e a sabedoria atribuída a ele: “conhece-te a ti mesmo”. E algumas coisas começaram a fazer sentido. Se eu não sei quem sou, por eliminação, posso procurar quem são os outros, que seguramente não são eu. O caminho é mais íngreme, mas, quando não se sabe para onde rumar, ao menos é um caminho.

A afirmação de si pela negação do outro é um antigo e estimado tema dos contadores de histórias. Nós versus os outros. Geralmente envolvendo dilemas colossais e problemas insolúveis. Ou quase insolúveis, pois há um velho truque maroto que resolve essa trama: o inimigo em comum.

Quem olha de relance, pode ser levado a crer que a trilogia do Problema dos 3 Corpos se resolve assim. Porém, o que enxerguei ali foi o nós versus nós, a humanidade como o maior problema de si mesma, simplesmente pelo fato de não se reconhecer enquanto um todo, enquanto uma espécie humana. Daí desdobram-se alegorias sem fim sobre o mundo atual, os nacionalismos e regionalismos, a polarização extrema de grande parte das sociedades. E só seremos humanos quando houver não humanos que nos sirvam de cotejo.

Em tempos de polaridade e intolerância, por relembrar que a humanidade só se reconhecerá como um todo quando conhecer O Outro, Cixim Liu recebe a máxima láurea do Prêmio Leandro Müller em 2021.