Por estes dias, deparei-me com um produto alimentício que trazia
em letras garrafais na embalagem: “baixo valor energético, isento de açúcares,
zero lactose, livre de gordura totais, livre de gorduras saturadas, zero
colesterol, não contém sódio, sem adição de sal”. Imediatamente fui remetido
aos tempos de estudante de filosofia, não podendo deixar de pensar no velho Parmênides
quando dizia: “o ser é, o não ser não é”. Afinal, o que era esse produto
alimentício que se afirmava apenas pelo seu não-ser? O que ele continha, apesar
de se vangloriar principalmente por aquilo que não tinha? E lembrei-me de que,
muitas vezes, quando não sabemos o que algo é, começamos por entendê-lo a
partir do que não é.
O fluxo de pensamentos passou a Sócrates e a sabedoria
atribuída a ele: “conhece-te a ti mesmo”. E algumas coisas começaram a fazer
sentido. Se eu não sei quem sou, por eliminação, posso procurar quem são os
outros, que seguramente não são eu. O caminho é mais íngreme, mas, quando não
se sabe para onde rumar, ao menos é um caminho.
A afirmação de si pela negação do outro é um antigo e
estimado tema dos contadores de histórias. Nós versus os outros. Geralmente
envolvendo dilemas colossais e problemas insolúveis. Ou quase insolúveis, pois há
um velho truque maroto que resolve essa trama: o inimigo em comum.
Quem olha de relance, pode ser levado a crer que a trilogia
do Problema dos 3 Corpos se resolve assim. Porém, o que enxerguei ali foi o nós
versus nós, a humanidade como o maior problema de si mesma, simplesmente pelo
fato de não se reconhecer enquanto um todo, enquanto uma espécie humana. Daí
desdobram-se alegorias sem fim sobre o mundo atual, os nacionalismos e
regionalismos, a polarização extrema de grande parte das sociedades. E só
seremos humanos quando houver não humanos que nos sirvam de cotejo.
Em tempos de polaridade e intolerância, por relembrar que a
humanidade só se reconhecerá como um todo quando conhecer O Outro, Cixim Liu
recebe a máxima láurea do Prêmio Leandro Müller em 2021.