sexta-feira, outubro 27, 2006

Homenageado 2005 - Giovani Papini

Garimpando prateleiras de livros encontrei um exemplar de capa parda, sem título nem nada. Abri-o na folha de rosto e deparei-me com o alerta precavendo sobre a libertação de Satã e algo mais em relação a Gog e Magog. Foi o suficiente para levá-lo para casa.

Mais tarde fiquei sabendo, e bem mais tarde, quem era o tal autor. Alguns livros depois, descobri que esse homem que escreveu uma biografia de Cristo fora afagado na infância, em Turim, pelo próprio Nietzsche, o autor de nada menos que O Anticristo.

Porém, antes de ter ciência disso, já me deliciava com os ricos relatos de Gog, o excêntrico milionário que fazia as mesmas coisa que eu faria se tivesse eu as mesmas condições. Pensava a cada virada de página: “agora não hás de me surpreender; tudo já foi dito”. Ledo engano! E novas idéias brotavam não sei de qual canto da imagiação que eu não possuia. Desse modo percebi quem nem tudo havia sido dito, tampouco inventado. Recolhi-me em minha insignificância e fiquei refletindo solitário, com a caixa de pandora que tinha sobre o colo.

Por me devolver a esperança que homenageio Papini nesse ano de 2005.

«L.M.»

“Reconhecemos plenamente o valor de algumas influências. E o que tencionamos passar a ti é que nós devemos também ser responsáveis pela criação de tais influências. Devemos ser universais. Contribuir para o desenvolvimento do gênero humano.”

(Assietuapax, in Pequeno Tratado Hermético sobre os Efeitos de Superficie)

Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 2005

Laureado 2005 - Herberto Hélder

Procurei incansavelmente descrever com minhas próprias palavras o que sentia com relação ao livro “Os Passos em Volta”. Falhei em todas tentativas. Humildemente, resolvi emprestar-me da singular “escala adjetival” do amigo Tony Azevedo. Assim, fica dito: esse é o mais genial livro de contos da história do universo em todos os tempos passados e futuros. Opinião radical? Somente para aqueles que ainda não o leram.

De modo extraordinário, Herberto Hélder, tece textos filosóficos sobre a vida que não contam histórias, pois isso é coisa de romancistas e não de escritores. Herberto é um escritor. E um dos maiores.

Herberto, obrigado por me ensinar que literatura não é para contar histórias, mas para nos ajudar a compreender e construir o mundo. Nesse 2005, meus louros são seus.

«L.M»

“Quando o primeiro bonde de Santa Teresa desceu no sábado de manhã repleto de turistas, cometeu um equívoco. Habituado a guiar-se pelos trilhos, pouco antes de chegar ao largo dos Guimarães, ele tomou a liberdade de seguir seu caminho pelos paralelepípedos. Uma decisão imprópria e desaconselhável a quaisquer tipos de transportes ferroviários, inclusive, como no presente caso, aos bondes, pois tal situação transcende à natureza inerente de um trem. Esta transcendência de natureza causou a morte de muitas pessoas naquele dia tão comum. Porém, para felicidade dos teóricos do conhecimento, os objetos não são capazes de alterar sua própria natureza, papel permitido apenas aos sujeitos e, preferencialmente, humanos. Foi um desses sujeitos que alterou a natureza do bonde naquela ocasião.”

(Leandro Müller, in Regras de Conduta de Gachet-Gaston)

Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 2005

Homenageado 2004 - Goethe

À época, andava fletando com Strindberg quando conheci um jovem muito alegre e de sentimentos sinceros que conquistou meu coração. A intensidade tal de uma paixão por uma Charlote foi capaz de fazer-me amar também o amor. Já pensava comigo: “enlouqueço de tanto amar?” Percebi que não, pois também eu era capaz de amar os Albertos que me cruzavam os caminhos e, ao contrário desse jovem, eu segui a amar a todos, muito embora não pertencesse a ninguém e a também ninguém tivesse.

O amor desse rapaz era tão puro e seus pensamentos tão profundos que eu sentia que o amava também. Contudo, com o tempo, percebi que não era a ele quem eu amava, mas ao seu jeito de amar que eu amava. Ele amava como eu amava. Havia mais alguém com tanto amor quanto eu nesse mundo absurdo. E nem o seu fim trágico me dissuadiu de que não devo também morrer de amor!

Assim, de mãos dadas com Werther, homenageio Goethe, por me ensinar a infinitude da intensidade do amor e do amar...

«L.M.»

“Percebemos a presença de encostos sobrenaturais. Súcubos malditos nos sugam a energia. O Canhoto nos quer por seu amigo. As pontadas na cabeça não nos deixam pensar. Recomendamos aos outros que fumem. Fazemos apologia ao suicídio. Emprestamos nosso “Manual de suicídio” para suicidas em potencial. Culpa. Dor. Não queremos ser assim. Devolvam-nos nosso coração puro. Abraça-nos, ó Goethe, vamos nos consolar desta Besta que nos enganou.”

(Assietuapax, in Pequeno Tratado Hermético sobre os Efeitos de Superficie)

Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 2004

Laureado 2004 - Manoel de Barros

Ainda me é fresco na memória o dia em que ele me disse: “Leandro, para entender nós temos dois caminhos: o da sensibilidade que é o entendimento do corpo; e o da inteligência que é o entendimento do espírito. Eu escrevo com o corpo. Poesia não é para compreender, mas para incorporar. Entender é parede: procure ser uma árvore”. Sorri e acenei com a cabeça concordando. Mas antes, desconfiei por alguns instantes daquele homem que fotografava o silêncio. É difícil confiar em alguém que fotografa o silêncio. Foi só depois de ver as fotos reveladas que eu tive certeza de haver encontrado. Ainda não sei o que encontrei, contudo, definitivamente, naquele dia eu havia encontrado.

Esperei 26 anos para que alguém me dissesse o que ele me disse. Hoje minhas raízes voltaram a ser semente.

Receba meus louros, Manoel.

«L.M.»

“Alguns dias se acontecem de maneira estranha. Hoje foi um desses dias maravilhosos. O extraordinário não se deu propriamente no dia, mas sim quando ele já se anunciava terminado. Tecnicamente, hoje já era amanhã, embora ele ainda não houvesse encerrado seu expediente. O acontecimento foi uma sonoridade materializada em acordeão que nos socorreu no fim da noite. Um acordeão que fazia uma imensa algazarra nas pessoas que se perdiam por ali naquela condução. O irônico foi nós acabarmos de ter lido Manoel de Barros. Voltei para casa me sentindo árvore.

Quisemos escrever sobre esse sentimento, mas só nos fizemos dançar.”

(Assietuapax, in Pequeno Tratado Hermético sobre os Efeitos de Superficie)

Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 2004