sexta-feira, novembro 14, 2008

Laureado 2008 - Ernesto Sábato

No capítulo XXV de “O túnel”, podemos ler a seguinte passagem:

"Repare que eu nunca consegui acabar um romance russo. São tão trabalhosos... aparecem milhares de tipos e no final resulta que não são mais que quatro ou cinco. Mas claro, quando você começa a se orientar com um senhor que se chama Alexandre, logo resulta que se chama Sacha e logo Sachka e logo Sachenka, e imediatamente algo grandioso como Alexandre Alexandrovitch Bunine e mais tarde é simplesmente Alexandre Alexandrovitch. Mal você se orienta, já te despistam novamente. Não acaba nunca: cada personagem parece uma família."


Belíssima, mas com um porém: ela nada tem a ver com a história do livro.

Segundo meu amigo Tony Azevedo, alguns tipos de escritores inserem passagens desse tipo em seus romances para ficar rindo de seus leitores. Trata-se de um recurso de pura satisfação pessoal, mas que é responsável para que todo o esforço em escrever um longo romance valha a pena. Simpatizei com a idéia.


Pela liberdade de rirmos de nós mesmos, Sábato, já bem velhinho, recebe os louros de 2008.


«L.M.»



“— Isso me faz lembrar o caso de um escritor que ia de Copacabana para Botafogo e resolveu cortar caminho por dentro do cemitério São João Batista. Chovia uma chuvinha bem fina, mas suficientemente intensa para molhar. Numa daquelas vielas apertadas entre covas, o sujeito escorregou num túmulo de mármore rosa e deu com a cabeça no chão. Porém, antes de morrer — sim, depois ele iria morrer — se arrastou pra fora do cemitério, atravessou a General Polidoro, e ainda entrou por mais um quarteirão bairro adentro, como se estivesse fugindo de algo.

— ¿Sério? ¿E de que ele fugia?

— Alguns disseram que ele fugia do lugar-comum. ¿Sabe como é? Morrer num cemitério, pega super mal para um escritor. Tudo bem que na vida real ainda podemos ver esses tipos de chavões, mas na literatura não... ¡a literatura tem que ser muito maior que vida!

— ¿E o que fazer quando a vida se torna maior que a literatura? — quis saber Letícia, crendo que o amigo teria uma resposta.

— Crie você a ficção, pois as que existem já não lhe servem mais para nada.”

(Leandro Müller, in “Parábola do matemático sem fé e outras funções quadráticas” (Letícia); in Haldora: a literatura e suas almas)

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