Por toda minha vida procurei um
estilo, lutei para construir uma identidade, mas sempre que penso ter me
tornado algo, percebo o quanto de outros tenho em mim. Então, logo tento me
desvencilhar daquilo, buscando uma nova forma de existir e de pensar,
supostamente mais autêntica. Porém, o próprio processo de transformação e busca
vêm ao encalço do pensamento de outros, desta vez, Gilles Deleuze, que desde
meu primeiro romance (“Pequeno Tratado Hermético sobre Efeitos de Superfície”)
mordia-me os calcanhares com sua “Lógica do Sentido” sem que eu notasse. Este
ano, escalei “Mil Platôs” para encontrar a seguinte mensagem: “Como é possível
que os movimentos de desterritorialização e os processos de reterritorialização
não fossem relativos, não estivessem em perpétua ramificação, presos uns aos
outros? A orquídea se desterritorializa, formando uma imagem, um decalque de
vespa; mas a vespa se reterritorializa sobre esta imagem. A vespa se
desterritorializa, no entanto, tornando-se ela mesma uma peça no aparelho de
reprodução da orquídea; mas ela reterritorializa a orquídea, transportando o
pólen.”
Afinal, é assim que somos... sendo,
des-sendo, re-sendo...
Por tanta transformação para chegar
ao devir humano, Gilles Deleuze recebe minha homenagem na presente data do ano
2011.
[L.M.]
“O que julgava ser a salvação — e foi ao menos sua melhor defesa durante
os anos de juventude — foi uma terceira classe de animais, da qual tomara
conhecimento acidentalmente ao passar os olhos sobre um romance de um famoso
escritor bengalês, no qual o personagem principal explicava como os insetos
sobreviviam, como eles se transmutavam e assumiam a cor do ambiente, de modo a
permanecerem quase imperceptíveis, tomando emprestada a coloração de tudo que
lhes cercasse. Seriam essas pequenas criaturas, que a tantas pessoas repulsa
causam — como Calu causava —, que lhe dariam ainda alguns anos de esperança,
pois percebeu que para sobreviver precisaria assumir a cor do ambiente, os
mesmo tons das outras pessoas, que é afinal o que querem os jovens,
simplesmente serem iguais a todos, sentirem-se incluidos e integrados. Contudo,
adotar a forma do outro no jogo da sedução implica em consequências perigosas, como
o risco de abandonar a autenticidade — que ele ainda não possuia e se afastava
ainda mais dela — e as alterações da dinâmica de vida imediatas forçaram-no a
um deslocamento de personalidade que lhe deixaram ainda mais confuso a respeito
de seu próprio caráter. Então começou a se apropriar de traços alheios,
características das mulheres as quais admirava, emprestando-se de seus gostos,
seus movimentos, suas paixões, numa tentativa desesperada que elas o
reconhecessem como alguém digno de sua atenção. Não que buscasse adquirir os
trejeitos femininos, o que fatalmente lhe aconteceu, mas foi acometido por uma
incorporação de tudo que era alheio dentro de si, enchendo-se de gostos que não
eram seus — ¡apenas para impressionar a fêmea de sua espécie! — e de desejos
que não lhe pertenciam. Calu tornou-se um grande falsário de si, em eterna
atuação, sempre fingindo ser ele mesmo, justamente porque não tinha idéia de sua
real identidade.”
(Leandro Müller, in “¿Integridade?”)
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