Fui acompanhado durante anos por um livro chamado "Como falar dos livros que não lemos". Foi minha grande obsessão em meu período de livreiro. Ironicamente, sem o ler, não hesitava em recomendá-lo e discorrer sobre ele. No fundo, era como eu o conhecesse, como se o tivesse lido.
Finalmente este ano o li, apesar dos preconceitos óbvios ao seu entorno, seu aparente ataque à educação letrada, quase uma ofensa a nós leitores que valorizamos o ato de ler. Fui absolutamente surpreendido com o que encontrei ali, pois parti do pressuposto que encontraria um almanaque de truques e atalhos para aparentar sabedoria, quando na verdade, o que está em xeque é o próprio ato da apreensão do texto. Isso fica evidente nas categorias de livros não lidos que o autor apresenta:
- Os livros que não conhecemos
- Os livros que folheamos
- Os livros que ouvimos falar
- Os livros que esquecemos (afinal, se você não se lembra mais de um livro que leu, que relevância terá ele em sua memória?)
Considero este um dos livros mais importantes na minha formação tardia. O ato de leitura e interpretação é complexo e há inúmeras formas de ler um livro hoje em dia. Não podemos desmerecer outras modalidades de leitura apenas em detrimento da leitura clássica linear do livro impresso. O importante é saber como articular os pensamentos que se apresentam nas ideias. Mais importante do que conhecer muitos idiomas, é saber o que dizer em cada uma dessas línguas.
Evidentemente, uma leitura estruturada, fruto de séculos de construção, talvez ofereça vantagens ao seu leitor... mas precisamos ter em mente que não é a única forma.
Assim, por me fazer compreender que ler é um exercício
contínuo da manutenção das histórias vivas dentro de nós, Pierre Bayard recebe
os louros do Prêmio Leandro Müller neste ano de 2020.
Um comentário:
Muito bom isso. Expressão de puro reconhecimento aos autores. Foda.
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