Camus deveria ter recebido este prêmio em meados dos anos 2000, após a leitura de “O estrangeiro”. Contudo, o primeiro Prêmio Leandro Müller de Literatura foi criado apenas em 2004, e seu tempo havia se passado. Mas os clássicos não se estabelecem sem razão e, este ano, Camus encontrou espaço na agenda para novamente ser lido, desta vez, com “A queda”.
Há muito o que dizer, mas não quero. Entranhas demais expostas após não
voltar o rosto para verificar o estranho barulho na água, possivelmente da
jovem que se jogou da ponte. Olhar poderia nos dar a sensação de dever de
salvá-la. E a água estava fria.
Camus me mostrou a alma e agora estou atento aos mergulhos de pontes.
Pela capacidade de me fazer entender que o outro também somos nós,
Albert Camus recebe minha homenagem em 2014.
[L.M.]
“O anseio de Deodato era polêmico — parcialmente
aborto e eutanásia —, com agravante de que não teria ninguém ao seu lado
lutando pelo direito de poder arrancar partes do corpo por determinação
própria. Seria uma batalha solitária da qual provavelmente sairia derrotado e,
no íntimo, sabia que nem mesmo as minorias mais combativas apoiariam sua causa.
Por outro lado, mantinha firme a esperança, pois seu desejo não era subtrair a
vida de ninguém, tampouco a própria, nem tencionava passar por cima de leis,
nem afrontar a sociedade: queria simplesmente ter sua vontade respeitada, por
mais estranha que ela parecesse ao mundo. Então pensava nas pessoas e desanimava;
lembrou-se da mãe reprovando que comesse pipoca com sorvete e de uma tia, mais
radical, que desaprovava qualquer mistura entre doces e salgados — nem lhe
ocorrera a intolerância religiosa, racial, sexual, tão difundidas mundo afora.
Sim, a guerra estava perdida e Deodato estava pronto para entregar as armas e
se render, persuadido de não haver salvação possível ao sonho agostiniano do
livre-arbítrio.”
(Leandro Müller, in “Ensaio retórico sobre a
liberdade”)
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