segunda-feira, novembro 13, 2006

Homenageado 2006 - John Fante

Os dias e noites que passei com Arturo foram incríveis. Lembro-me muito bem de como o procurei naquela primeira noite, quando um amigo em comum me disse: “Você precisa conhecer o Bandini. De hoje não passa”. E juntos percorremos as ruas da cidade à sua procura.

Naquela mesma noite, Arturo e eu conversamos por horas. Ele me contou de suas aventuras, de suas idéias e de seus planos (ele não tinha sonhos, ele tinha planos!). Nos dias que seguiram me contou de sua infância, de seus familiares, de seus amores. Seu jeito era tão encantador que também me abri com ele e falei sobre meus “planos”. Arturo e eu ríamos da vida. Era fascinante a maneira como ele se locomovia em meu apartamento, dentro de meu único cômodo. Ora se debruçava na janela, ora se sentava sobre minha escrivaninha, contudo, gostava mesmo era de encostar-se a minhas almofadas de leitura e ficar ali parado.

O mais incrível em nossa convivência é que quase sempre nossas opiniões divergiam em tudo, porém, nossa paixão pela vida era tão intensa que não havia como não amarmos um ao outro. Nossas conversas nunca se trataram de uma questão sobre quem estava certo ou errado. O que vivemos juntos foi uma grande amizade, uma incrível história sobre com quanta intensidade é possível amar a vida.

É por Arturo Bandini, que John Fante recebe minha homenagem neste ano de 2006.

«L.M.»

“John acendeu seu cigarro nervosamente enquanto observava o nome do remetente escrito no envelope lacrado sobre a mesa. O selo do correio central de Los Angeles no valor de cinco centavos não dava pistas se as notícias seriam boas ou ruins. John tomou a carta com uma das mãos, aproximou-a do nariz e inspirou profundamente para sentir-lhe o cheiro. Papel, como era de se esperar. Em seguida apoiou o cigarro no cinzeiro e trouxe o envelope com ambas as mãos à altura da boca, lambendo-lhe o selo por três vezes. Aquela carta iria definitivamente mudar o curso de sua vida, para melhor ou para pior, e por isso ele tardava em tomar conhecimento de seu conteúdo. John, ansioso, colocou-a novamente sobre a mesa e levou o cigarro aos lábios tragando com força. Soprando a fumaça lentamente, ele segurou a ponta do cigarro com os dedos em pinça e o pressionou no antebraço até apagá-lo completamente. A dor da queimadura o fez contrair o corpo e gozar de um estranho prazer. John, você esta ficando louco, meu velho. Levantou bruscamente e saiu de casa batendo a porta de seu único cômodo.”

(Assietuapax, in O cachorrinho riu: Poemas profundos para Náufragos Bem-sucedidos)

Porto, 14 de Novembro de 2006

Laureado 2006 - Albert Cossery

Já há algum tempo, pus-me a perder coisas. Tantas quantas me fosse possível. Perdi ansiedades, falsas ilusões e até mesmo alguns bens materiais. Perdi quase todas minhas crenças. A única que restou é a de que o vazio é o motor da vontade humana, que luta desesperadamente todos os dias para preenchê-lo. Perdi também minhas certezas. Mas a coisa mais importante que perdi foi o desejo de inserção social através da atuação em um papel socialmente tido como relevante, por exemplo, a adoção de uma carreira que me servisse de rótulo para quando alguém me perguntasse “o que você faz?”

Nem por isso tornei-me um parasita social, (des)ocupação que desaprovo. Simplesmente deixei de importar-me se sou vendedor de livros ou editor executivo ou operador de telemarketing. Isso tudo porque tenho fome e altivez.

Mas quero contar uma história para você, Albert. Este ano estive em Frankfurt, a minha primeira visita a Alemanha. Numa das noites, marquei de esperar uma amiga na estação de metrô de Höhenstraβe. Observando que o trem ainda demoraria por dez minutos, resolvi sentar-me ao chão, pois ainda carregava comigo o cansaço dos viajantes e uma garrafa de vinho do Porto – presente a tal amiga que gentilmente me recebera em sua casa. Eis que então adentra a deserta estação um garboso alemão desfrutando de um aparentemente delicioso sanduíche. Ele me olha nem por milésimos de segundos e capta em mim uma aura de pedinte que o comove tão tristemente que sou agraciado com uma importância de cinco euros. Compreende? Um homem que me vê pela primeira vez, sentado ao chão, oferece-me uma razoável quantia, para tornar minha vida mais suportável. A gravidade maior não foi a oferta, mas sim, o fato de eu a ter aceitado. Nesse dia, perdi todo o resto que me faltava perder.

Gohar ficaria orgulhoso de mim!

É por me ensinar a não ter nada, exceto minha altivez, que declaro Albert Cossery o merecedor de meus louros no ano de 2006.

«L.M.»

“Entretanto, sempre cogito a possibilidade de ser mendigo. A exceção da suicidologia, não há tema que me mais envolva do que a mendicância. Devaneio-me em promenades pelas ruas; todas elas possíveis residências. Sinto um lar em cada canto sujo. Em mim nada mais que a pouca roupa no corpo e a mesma muita fome no aparelho digestivo. Fantasio-me em excelente mendigo, verdadeiramente desapegado da matéria, ao contrário destes que vemos diariamente carregando seus carrinhos de trapos com anseios de ascensão social. “¡Sou um mendigo rico! ¡Tenho posses!”. Em verdade, nada mais que miseráveis de espírito.”

(Assietuapax, in Pequeno Tratado Hermético sobre os Efeitos de Superficie)

Porto, 14 de Novembro de 2006