terça-feira, novembro 14, 2023

Homenagem 2023 – Ariano Suassuna

Aos incautos, as peças de Suassuna podem parecer apenas divertidas, mas é lendo o autor falando de suas obras que se nota a profundidade das situações, das personagens e das palavras escolhidas.

Um erudito dos conceitos, também entendedor das técnicas, que soube ser sábio de forma simples. Embora vaidoso, não foi arrogante, e compartilhou com simplicidade seus conhecimentos do mundo. Com leveza e graça! (e que presença! que entrevistas fanstásticas!)

Por nos indicar a possibilidade de um olhar farsesco para as agruras da vida, Ariano Suassuna recebe minha homenagem em 2023.

Laureado 2023 – Paulo Henriques Britto

 

A tradução literária é para mim um destes livros como A arte da Guerra ou O Príncipe: pode se aplicar a quase qualquer coisa. Independentemente de seu tema principal, se lido com o olhar certo, pode facilmente ser aplicável ao aconselhamento do viver melhor, um guia de saúde ou até mesmo um manual de negócios.

Sua camada primeira, autoexplicável pelo título, versa sobre a experiência de traduzir literatura. O autor apresenta diversas correntes de pensamento, mas sem medo de se posicionar e, tão raro hoje em dia, argumentando loquazmente os porquês de sua posição.

Ao longo do texto outras camadas se depreendem e sua principal lição é que a tarefa do tradutor “é em última análise, inatingível”, e mesmo assim, este deve, ciente de sua impotência, dar o melhor de si para alcançar o impossível. Como nas Utopias de Quintana:


 “Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!”


Assim, por renovar minha inspiração no almejar o melhor que posso, Paulo Henriques Britto recebe meus louros nesse ano de 2023.

sábado, novembro 12, 2022

Homenageado 2022 – José Cândido de Carvalho

 

Atualmente, poucos são os livros que me pegam pela escrita, pelas construções das frases e colocação das palavras nos lugares precisos. Com frequência, esqueço que histórias podem ser contadas à esmo, sem a preocupação de nos levar a alguma parte. A melhor viagem é a que fazemos no interior de nós mesmos, cujo ponto de chegada é o mesmo que o de partida.  


Pelos momentos de passeio tranquilo comigo mesmo, José Cândido de Carvalho recebe minha homenagem em 2022.


“Então, anos de serenata e farreagem poliram a patente de Ponciano de Azeredo Furtado. Foi ocasião em que montei barba na cara. Em viagem especial cheguei ao Sobradinho para requerer consentimento do meu avô. Refestelado na cadeira de couro, o velho despachou o pedido do neto acompanhado de conselho:

— Saiba o capitãozinho que duas coisas de principal um homem deve ter. Barba escorrida e voz grossa.”


(Capítulo 2, O coronel e o lobisomem)







Laureado 2022 – John B. Thompson

 

Essencialmente, As guerras do livro era a pesquisa que eu desejava ter apresentado como tese de doutorado. Thompson conseguiu fazê-lo de forma muito mais brilhante, liberando-me assim para pensar as batalhas nacionais, mais adequadas ao meu modesto tamanho intelectual – embora ainda demasiado pretencioso.

Por fornecer-me munição para as longas batalhas que ainda preciso enfrentar, John B. Thompson recebe meus louros neste ano de 2022.

segunda-feira, novembro 15, 2021

Homenageada 2021 - Ayn Rand

 

Sempre acreditei que a escrita (e a arte em geral) deveria ser feita como uma reflexão sobre o mundo, sobre uma questão que pessoalmente toca o artista, um dilema ambíguo, mas não necessariamente para fornecer uma resposta. A colocação do problema é o coração da arte. Ainda que esse problema seja nos entreter.

Escolher a literatura para defender uma ideologia, pode ser polêmico, e de fato esta autora foi. E não é preciso concordar com ela para reconhecer que construiu uma impressionante obra. É como um marceneiro que admira a estrutura de um patíbulo: o enforcamento é bárbaro, mas o mecanismo é engenhoso.

Por demonstrar que ainda é possível pensar por meio literatura e defender seus argumentos com uma boa narrativa, Ayn Rand recebe a homenagem do Prêmio Leandro Müller de Literatura em 2021.


Laureado 2021 – Cixin Liu

 

Por estes dias, deparei-me com um produto alimentício que trazia em letras garrafais na embalagem: “baixo valor energético, isento de açúcares, zero lactose, livre de gordura totais, livre de gorduras saturadas, zero colesterol, não contém sódio, sem adição de sal”. Imediatamente fui remetido aos tempos de estudante de filosofia, não podendo deixar de pensar no velho Parmênides quando dizia: “o ser é, o não ser não é”. Afinal, o que era esse produto alimentício que se afirmava apenas pelo seu não-ser? O que ele continha, apesar de se vangloriar principalmente por aquilo que não tinha? E lembrei-me de que, muitas vezes, quando não sabemos o que algo é, começamos por entendê-lo a partir do que não é.

O fluxo de pensamentos passou a Sócrates e a sabedoria atribuída a ele: “conhece-te a ti mesmo”. E algumas coisas começaram a fazer sentido. Se eu não sei quem sou, por eliminação, posso procurar quem são os outros, que seguramente não são eu. O caminho é mais íngreme, mas, quando não se sabe para onde rumar, ao menos é um caminho.

A afirmação de si pela negação do outro é um antigo e estimado tema dos contadores de histórias. Nós versus os outros. Geralmente envolvendo dilemas colossais e problemas insolúveis. Ou quase insolúveis, pois há um velho truque maroto que resolve essa trama: o inimigo em comum.

Quem olha de relance, pode ser levado a crer que a trilogia do Problema dos 3 Corpos se resolve assim. Porém, o que enxerguei ali foi o nós versus nós, a humanidade como o maior problema de si mesma, simplesmente pelo fato de não se reconhecer enquanto um todo, enquanto uma espécie humana. Daí desdobram-se alegorias sem fim sobre o mundo atual, os nacionalismos e regionalismos, a polarização extrema de grande parte das sociedades. E só seremos humanos quando houver não humanos que nos sirvam de cotejo.

Em tempos de polaridade e intolerância, por relembrar que a humanidade só se reconhecerá como um todo quando conhecer O Outro, Cixim Liu recebe a máxima láurea do Prêmio Leandro Müller em 2021.