segunda-feira, novembro 15, 2010

Homenageado 2010 - Lúcio Cardoso

Eu assumo, Lúcio, este ano não fui um bom menino e pratiquei a infâmia deliberadademente. Não ficarei surpreso se Papai Noel não me trouxer presentes.

Talvez eu mude, talvez não. Mas eu te juro, Lúcio, que assumirei inteiramente a responsabilidade do mal que andei praticando. Por isso, receba minha homenagem e minha gratidão.


«L.M.»


“—Você está fugindo, André, fugindo de mim. Istó para que nunca se esqueça, para que diga um dia: ela me deu uma bofetada, a fim de me castigar da minha indiferença.”

(Lúcio Cardoso, in Crônica da Casa Assassinada, p.33)

“André, não renegue, assuma seu pecado, envolva-se nele. Não deixe que os outros o transformem num tormento, não deixe que os outros o destruam pela suposição de que é um pusilânime, um homem que não sabe viver por si próprio. Nada existe de mais autêntico na sua pessoa que o pecado — sem ele, você seria um morto. Jura, André, jura como assumirá inteiramente a responsabilidade do mal que está praticando."

(Lúcio Cardoso, in Crônica da Casa Assassinada, p.292)

Laureado 2010 - Rubem Fonseca

“No final, só ingratidão” ensinou-me um ancestral há muitos anos o velho provérbio mineiro.
Este ano, um senhor contemporâneo de meu avô, invalidou a tal sentença com ares de sabedoria milenar, quando abriu mão de uma particularidade sua (a de nunca escrever prefácios, nem para amigos) em homenagem a uma categoria de indivíduos pela qual sentia-se grato: os livreiros.
Assim, ficou-me a lição: por demonstrar que deve haver sempre esperança, Rubem Fonseca recebe meus louros neste ano de 2010.

«L.M.»

O MEU PARAÍSO E O DO BORGES
(Rubem Fonseca)

Eu nunca faço prefácios ou escrevo orelhas de livros, nem mesmo para os meus amigos. Mas não consegui negar o pedido para escrever a orelha de uma antologia de contos escritos por livreiros. E já explico a razão.
Borges disse que para ele a idéia de paraíso era uma biblioteca. A minha idéia de paraíso é uma livraria. A razão é muito simples. Quando era muito jovem, dez, onze anos, eu já gostava muito de ler e, felizmente, lia com uma enorme velocidade. E descobri que podia entrar em uma livraria, pegar o exemplar de algum livro que me interessasse, e ficar uma meia hora, segurando-o com muito cuidado enquanto o lia. Os livreiros não se incomodavam. Depois de algum tempo de leitura, às vezes meia hora, eu memorizava a página em que havia parado e ia para outra livraria, onde pegava o mesmo livro e continuava a sua leitura. Assim, no fim do dia, como eu lia com uma grande rapidez, eu teria terminado, ou quase terminado, o livro que estava a ler. E nunca, nunca, nenhum livreiro me causou qualquer incomodo, perguntando se eu queria comprar o livro, ou se dirigindo a mim de qualquer outra maneira. Creio que eles, com inteligência e sensibilidade, percebiam que eu era um leitor fanático, sem dinheiro para comprar o livro e assim davam-me toda a liberdade para ler. Na verdade, até mesmo fingiam que não notavam a minha presença.
Eu também freqüentava a Biblioteca Nacional, que ficava perto da minha casa, no centro da cidade. Mas na Biblioteca eu não desfrutava o espetáculo de ver os livros enfileirados nas estantes, nem tinha acesso aos últimos lançamentos, que demoravam a ser catalogados na Biblioteca Nacional e assim tornarem-se accessíveis aos leitores. E quando eu pedia um livro ele demorava a chegar à minha mesa e muitas vezes não era encontrado, por vários motivos.
O Borges, além de bibliotecário, ficou cego e essa Biblioteca Paraíso dele devia surgir na sua imaginação apenas, enquanto a minha Livraria, o meu Éden, existia na realidade exibindo uma quantidade infindável de estantes com lombadas coloridas, livros que eu podia apanhar e ler na hora que desejasse. E até hoje uma livraria é para mim um lugar encantado, onde entro e fico emocionado, e sinto, pelas livreiras e os livreiros um grande afeto.
Aceitei com prazer, e muito honrado, o convite para escrever o prefácio dessa antologia de textos, todos muito bons, escritos por livreiras e livreiros, por quem sinto, não importa a livraria onde exercem essa sagrada missão, um carinho muito especial.

(Prefácio de "Eu queria um livro...", Editora Agir, organização Leandro Müller)