terça-feira, novembro 15, 2011

Agradecimentos Especiais 2011

O Prêmio Leandro Müller de 2011 não pode deixar de destacar a influência de cinco grandes escritores que tiveram importante participação em minha vida profissional e pessoal ao longo deste ano. Assim,

João Tordo,
Marta Lança,
José Eduardo Agualusa,
Ondjaki e
Inês Pedrosa,

recebam meus sinceros agradecimentos pela valiosíssima contribuição que me prestaram.

Homenageado 2011 - Gilles Deleuze


Por toda minha vida procurei um estilo, lutei para construir uma identidade, mas sempre que penso ter me tornado algo, percebo o quanto de outros tenho em mim. Então, logo tento me desvencilhar daquilo, buscando uma nova forma de existir e de pensar, supostamente mais autêntica. Porém, o próprio processo de transformação e busca vêm ao encalço do pensamento de outros, desta vez, Gilles Deleuze, que desde meu primeiro romance (“Pequeno Tratado Hermético sobre Efeitos de Superfície”) mordia-me os calcanhares com sua “Lógica do Sentido” sem que eu notasse. Este ano, escalei “Mil Platôs” para encontrar a seguinte mensagem: “Como é possível que os movimentos de desterritorialização e os processos de reterritorialização não fossem relativos, não estivessem em perpétua ramificação, presos uns aos outros? A orquídea se desterritorializa, formando uma imagem, um decalque de vespa; mas a vespa se reterritorializa sobre esta imagem. A vespa se desterritorializa, no entanto, tornando-se ela mesma uma peça no aparelho de reprodução da orquídea; mas ela reterritorializa a orquídea, transportando o pólen.”
Afinal, é assim que somos... sendo, des-sendo, re-sendo...
Por tanta transformação para chegar ao devir humano, Gilles Deleuze recebe minha homenagem na presente data do ano 2011.


[L.M.]

 “O que julgava ser a salvação — e foi ao menos sua melhor defesa durante os anos de juventude — foi uma terceira classe de animais, da qual tomara conhecimento acidentalmente ao passar os olhos sobre um romance de um famoso escritor bengalês, no qual o personagem principal explicava como os insetos sobreviviam, como eles se transmutavam e assumiam a cor do ambiente, de modo a permanecerem quase imperceptíveis, tomando emprestada a coloração de tudo que lhes cercasse. Seriam essas pequenas criaturas, que a tantas pessoas repulsa causam — como Calu causava —, que lhe dariam ainda alguns anos de esperança, pois percebeu que para sobreviver precisaria assumir a cor do ambiente, os mesmo tons das outras pessoas, que é afinal o que querem os jovens, simplesmente serem iguais a todos, sentirem-se incluidos e integrados. Contudo, adotar a forma do outro no jogo da sedução implica em consequências perigosas, como o risco de abandonar a autenticidade — que ele ainda não possuia e se afastava ainda mais dela — e as alterações da dinâmica de vida imediatas forçaram-no a um deslocamento de personalidade que lhe deixaram ainda mais confuso a respeito de seu próprio caráter. Então começou a se apropriar de traços alheios, características das mulheres as quais admirava, emprestando-se de seus gostos, seus movimentos, suas paixões, numa tentativa desesperada que elas o reconhecessem como alguém digno de sua atenção. Não que buscasse adquirir os trejeitos femininos, o que fatalmente lhe aconteceu, mas foi acometido por uma incorporação de tudo que era alheio dentro de si, enchendo-se de gostos que não eram seus — ¡apenas para impressionar a fêmea de sua espécie! — e de desejos que não lhe pertenciam. Calu tornou-se um grande falsário de si, em eterna atuação, sempre fingindo ser ele mesmo, justamente porque não tinha idéia de sua real identidade.”

(Leandro Müller, in “¿Integridade?”)

Laureado 2011 - Leonardo Gandolfi


Talvez uma das polêmicas mais presentes e interessantes nos debates que tenho sobre criatividade com amigos artistas, cientistas, filósofos e todos aqueles que lidam com a necessidade de criar algo seja a (im)possibilidade do surgimento do novo.
Na verdade, todo mundo gosta de se manifestar sobre esse assunto: alguns acham que tudo já foi criado e nada de novo pode surgir, tudo surge inspirado em alguma coisa que já existe; por sua vez, outros crêem que, para citar Belchior, “o novo sempre vem”. Confesso que durante muito tempo fiquei em cima do muro, pois os argumentos das duas partes eram bastante fortes, porém, este ano minha inclinação pendeu para estes últimos, graças a um passe de mágica realizado por Leonardo Gandolfi. Este truque que jamais eu havia presenciado de tão perto chama-se “A morte de Tony Bennett”, um livro de poemas tão inusitado que me obrigou a iniciar a busca pelo meu “novo” particular, a maior graça que pode ser dada a um artista.
Assim, por me demonstrar com um exemplo que o novo pode surgir, Leonardo Gandolfi, recebe minha láurea neste ano de 2011.

[L.M.]

“Noutro dia de agosto
Daqueles que todos anos têm
À Greg, houve um bem diferente
Que não houve à mais ninguém.

Horas altas de lua clara
Cujo halo, aos beijos, nitidez,
Se roupas levavam postas,
Os sentimentos em completa nudez.

Todo amor de Greg
Transbordou-lhe do peito ao sangue misturado
Pelo preciso buraco do tiro
Quando ainda fitos os olhos na amada ao lado.

Atroz de igual forma
O destino da companheira
Escorria-lhe da mesma paixão
Por outro furo de bala certeira.”

(Leandro Müller, in “Lírica de amor malfadado”)