quinta-feira, novembro 13, 2014

Homenageado 2014 - Albert Camus


Camus deveria ter recebido este prêmio em meados dos anos 2000, após a leitura de “O estrangeiro”. Contudo, o primeiro Prêmio Leandro Müller de Literatura foi criado apenas em 2004, e seu tempo havia se passado. Mas os clássicos não se estabelecem sem razão e, este ano, Camus encontrou espaço na agenda para novamente ser lido, desta vez, com “A queda”.

Há muito o que dizer, mas não quero. Entranhas demais expostas após não voltar o rosto para verificar o estranho barulho na água, possivelmente da jovem que se jogou da ponte. Olhar poderia nos dar a sensação de dever de salvá-la. E a água estava fria.

Camus me mostrou a alma e agora estou atento aos mergulhos de pontes.

Pela capacidade de me fazer entender que o outro também somos nós, Albert Camus recebe minha homenagem em 2014.
  
[L.M.]

“O anseio de Deodato era polêmico — parcialmente aborto e eutanásia —, com agravante de que não teria ninguém ao seu lado lutando pelo direito de poder arrancar partes do corpo por determinação própria. Seria uma batalha solitária da qual provavelmente sairia derrotado e, no íntimo, sabia que nem mesmo as minorias mais combativas apoiariam sua causa. Por outro lado, mantinha firme a esperança, pois seu desejo não era subtrair a vida de ninguém, tampouco a própria, nem tencionava passar por cima de leis, nem afrontar a sociedade: queria simplesmente ter sua vontade respeitada, por mais estranha que ela parecesse ao mundo. Então pensava nas pessoas e desanimava; lembrou-se da mãe reprovando que comesse pipoca com sorvete e de uma tia, mais radical, que desaprovava qualquer mistura entre doces e salgados — nem lhe ocorrera a intolerância religiosa, racial, sexual, tão difundidas mundo afora. Sim, a guerra estava perdida e Deodato estava pronto para entregar as armas e se render, persuadido de não haver salvação possível ao sonho agostiniano do livre-arbítrio.”

(Leandro Müller, in “Ensaio retórico sobre a liberdade”)

Laureado 2014 - Mário de Carvalho

Diante a grande variedade de novidades sendo lançadas a todo instante no mercado, dificilmente leio mais de um livro de um autor contemporâneo, afinal, há muita gente interessante para se conhecer. Obviamente, a leitura de uma única obra não representa a síntese de um escritor, mas não deixa de ser uma forma preguiçosa de nos escusarmos com nós mesmos de que o autor está lido. Enfim, desculpas que nos damos para seguir em frente.

Este ano, inusitadamente, um escritor vivo me arrebatou profundamente, mexendo com um antigo preconceito (ou trauma) que eu trazia desde José de Alencar: odeio descrições. “Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto” mudou isso. De tão empolgado com a forma de escrita, devorei em seguida “Um Deus passeando pela brisa da tarde”, onde reencontrei outro velho fantasma, com o qual havia me deparado numa orelha de livro em meus tempos de livreiro: o termo “duúnviro”.

A riqueza vocabular e narrativa de Mário de Carvalho é realmente admirável, e suspeito que estes dois livros mencionados ainda são pouco. Este é um escritor que terei como amigo na cabeceira. Já estou escolhendo o próximo livro a ler...

Assim,  por ensinar que cada palavra possui sua singularidade e que mesmo as descrições podem ser excelentes narrativas, Mário de Carvalho recebe minha Láurea este ano de 2014.

[L.M.]

“¿Trabalhar em uma livraria, frequentar diariamente a Biblioteca Nacional, conhecer pelo prenome a recepcionista do Real Gabinete Português de Leitura, não seriam indícios de uma desesperada necessidade de acreditar que os livros fossem capazes de preencher o vazio da existência dentro de mim? Contudo, afigurava-se o justo revés, pois transbordante em sonhos, eu contemplava nas histórias a solução dos escritores para dar vazão ao excesso de alma daqueles que não cabiam em si. Meu pequeno corpo aprisionava minha imensidão e, em páginas de papel, tencionava evitar a implosão do meu ser, que naqueles dias tentava se ampliar através de uma pequena anomalia, tal como uma falange adicional de um novo dedo indicador crescendo entre o polegar e o indicador já existente em minha mão esquerda.”

(Leandro Müller, in Poemas profundos para náufragos bem sucedidos, Projeto Rio-Passagens)