terça-feira, novembro 15, 2011

Homenageado 2011 - Gilles Deleuze


Por toda minha vida procurei um estilo, lutei para construir uma identidade, mas sempre que penso ter me tornado algo, percebo o quanto de outros tenho em mim. Então, logo tento me desvencilhar daquilo, buscando uma nova forma de existir e de pensar, supostamente mais autêntica. Porém, o próprio processo de transformação e busca vêm ao encalço do pensamento de outros, desta vez, Gilles Deleuze, que desde meu primeiro romance (“Pequeno Tratado Hermético sobre Efeitos de Superfície”) mordia-me os calcanhares com sua “Lógica do Sentido” sem que eu notasse. Este ano, escalei “Mil Platôs” para encontrar a seguinte mensagem: “Como é possível que os movimentos de desterritorialização e os processos de reterritorialização não fossem relativos, não estivessem em perpétua ramificação, presos uns aos outros? A orquídea se desterritorializa, formando uma imagem, um decalque de vespa; mas a vespa se reterritorializa sobre esta imagem. A vespa se desterritorializa, no entanto, tornando-se ela mesma uma peça no aparelho de reprodução da orquídea; mas ela reterritorializa a orquídea, transportando o pólen.”
Afinal, é assim que somos... sendo, des-sendo, re-sendo...
Por tanta transformação para chegar ao devir humano, Gilles Deleuze recebe minha homenagem na presente data do ano 2011.


[L.M.]

 “O que julgava ser a salvação — e foi ao menos sua melhor defesa durante os anos de juventude — foi uma terceira classe de animais, da qual tomara conhecimento acidentalmente ao passar os olhos sobre um romance de um famoso escritor bengalês, no qual o personagem principal explicava como os insetos sobreviviam, como eles se transmutavam e assumiam a cor do ambiente, de modo a permanecerem quase imperceptíveis, tomando emprestada a coloração de tudo que lhes cercasse. Seriam essas pequenas criaturas, que a tantas pessoas repulsa causam — como Calu causava —, que lhe dariam ainda alguns anos de esperança, pois percebeu que para sobreviver precisaria assumir a cor do ambiente, os mesmo tons das outras pessoas, que é afinal o que querem os jovens, simplesmente serem iguais a todos, sentirem-se incluidos e integrados. Contudo, adotar a forma do outro no jogo da sedução implica em consequências perigosas, como o risco de abandonar a autenticidade — que ele ainda não possuia e se afastava ainda mais dela — e as alterações da dinâmica de vida imediatas forçaram-no a um deslocamento de personalidade que lhe deixaram ainda mais confuso a respeito de seu próprio caráter. Então começou a se apropriar de traços alheios, características das mulheres as quais admirava, emprestando-se de seus gostos, seus movimentos, suas paixões, numa tentativa desesperada que elas o reconhecessem como alguém digno de sua atenção. Não que buscasse adquirir os trejeitos femininos, o que fatalmente lhe aconteceu, mas foi acometido por uma incorporação de tudo que era alheio dentro de si, enchendo-se de gostos que não eram seus — ¡apenas para impressionar a fêmea de sua espécie! — e de desejos que não lhe pertenciam. Calu tornou-se um grande falsário de si, em eterna atuação, sempre fingindo ser ele mesmo, justamente porque não tinha idéia de sua real identidade.”

(Leandro Müller, in “¿Integridade?”)

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