É preciso muita coragem para homenagear
Clarice, pois dificilmente encontramos alguém a quem sua literatura não toque,
tornando qualquer tentativa de exaltá-la completamente sem sentido. “¿Esse gelo
está frio, né?” “Está.” “Ah, tá.” Mas afinal, é impossível sair ileso da menina que
dispara à professora: “Depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois?”... e nós aqui, desesperadamente tentando ser felizes, imaginando que há uma recompensa no final do arco-íris.
É por essas e outras que desde 2004
ando flertando com essa moça, que me queimou profundamente com sua “Água Viva”.
Este ano, após atravessar “A via crucis do corpo”, encarar “A bela e a Fera”, enxergar
a “Maça no Escuro”, sentir a “Paixão segundo GH” e me animalizar “Perto do
coração selvagem”, percebi por mim que Clarice é potência. E potência é a
característica de tudo aquilo que pode ser, sendo mais do que simplesmente ser,
a possibilidade de ser. E Clarice é a potência de tudo que pode ser.
Por me ensinar que potência é maior
do que o ser, e que a finalidade é só um capricho dos ingênuos, Clarice recebe,
neste ano de 2012, a homenagem tardia da admiração que sempre tive por ela.
[L.M]
“Como se eu já não tivesse
problemas que bastassem, hoje pisei uma imensa água-viva. Sofro demasiado
minhas próprias aflições para que eu descubra tão tardiamente sentir também o
horror de outrem. É em estado de grito que cotejo minha alma à sua, Clarice.
Chegamos, por trilhas separadas e em tempos distantes, ao mesmo estado de
grito.
Interrompi minha fala por dois
dias. Passei-os apenas absorvendo você, Clarice. E agora não estou mais em
estado de grito: estou em estado de Água Viva. Eleve-se o infinito
exponencialmente a si mesmo e terás a exata medida do que sinto.”
(Leandro Müller, in Pequeno Tratado Hermético sobre Efeitos de
Superfície, p.29-30)
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