Por sorte minha, a vida não para de
me surpreender. Este ano, o inusitado da premiação fica por conta da láurea de
um autor ainda não publicado. Apesar de sua vasta experiência na escrita
cinematográfica, foi com seu inédito livro de contos “A velocidade dos objectos metálicos” que o escritor e roteirista
português Tiago Santos me arrebatou. Já logo no primeiro parágrafo de seu
“manuscrito” ele desfere seu primeiro golpe:
“Ele gosta do seu gabinete, da
secretária de madeira imponente e pesada, da forma como as canetas se compõem
no lado direito, junto à fotografia da família; ele próprio, uma mulher bonita
de cabelo preto apanhado num rabo-de-cavalo que não sorri e uma rapariga de sete
anos que mostra demasiado os dentes (falta-lhe um no meio) entre eles.”
Li o livro com atenção e não parei
de ressaltar passagens extraordinárias. Mas como escrever bem não é o
suficiente para receber este prêmio, preciso ressaltar que sua forma de ver o
mundo embotou a minha e, é por isso que ele merece essa láurea: por ensinar uma
nova ótica para enxergar as coisas cotidianas, Tiago Santos recebe minha láurea
neste ano de 2012.
[L.M.]
"¿O incêndio iniciado sob as prateleiras de bebidas, agravado pelo romper
das garrafas de alto teor alcoólico, principalmente conhaques e uísques, muitas
vezes servidos diluídos em água para enganar os clientes, teria sido acidental?
A polícia local, embora não tivesse se manifestado oficialmente, desconsiderava
a hipótese, pois, do contrário, as saídas de emergência da casa não estariam
passadas à corrente pelo lado de fora e as treze vítimas fatais teriam escapado
apenas com leves chamuscos e alguma pouca fumaça nos pulmões.
Soube naquele dia que eram onze mulheres ao todo, nove delas brasileiras,
uma polonesa e uma ucraniana. Do homem morto, ninguém sabia dizer mais do que
seu nome, Mihajlo, e que lhe faltava o olho esquerdo, e que era famoso por
abrir tampinhas de garrafas de cerveja naquela cavidade ocular desfalque e que
era oriundo dos bálcãs, precisamente não se sabe de onde. Também ninguém
conseguiu explicar-me a ligação do meu irmão com aquela tragédia."
(Leandro Müller, in
“¿Integridade?”)
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